À primeira vista, "O Pintassilgo" de Donna Tartt pode intimidar pelo seu elevado número de páginas e ao espreitarmos as páginas, antes de começarmos efectivamente a ler, podemos ficar assoberbados ao ver um texto tão denso, mas a verdade é que quando entramos na leitura constatamos que a escrita da autora possui uma simplicidade inesperada aliada, de forma magistral, a uma narrativa profunda, marcada pela sua carga dramática que prende o leitor a cada linha.
Vencedor do Prémio Pullitzer 2014, "O Pintassilgo" não reúne o consenso por parte da crítica, mas a meu ver, os grandes livros provocam sempre reacções díspares e cada leitor retirará as suas reflexões próprias e significados consoante as suas vivências e capacidade de abertura a este livro tão intenso e único.
Aos treze anos, Theodore Decker perde a sua mãe num atentado à bomba no Metropolitan Museum. Theo é um dos poucos sobreviventes. Agora aos vinte e sete anos sonha pela primeira vez com a sua mãe. Assim, começa a narrativa no presente e, através de um flashback, regressamos àquele momento que mudaria para sempre a vida de Theo: a morte da sua mãe. As descrições deste acontecimento são tão intensas e detalhadas que o leitor fica imediatamente preso à narrativa, narrativa essa que é feita pela própria voz de Theo o que faz com que o leitor se torne muito próximo deste menino/homem que se, por um lado, nos toca por causa das vivências tão traumáticas e irreversíveis que experimenta em tenra idade, por outro, nos suscita reacções adversas pelos caminhos sinuosos que escolhe seguir.
Embora o título do livro seja "O Pintassilgo", a verdade é que esta obra de arte do pintor Fabritius, do século XVII, é um elemento periférico na narrativa, sendo que esta se centra fundamentalmente na vida de Theo e é com beleza e humanidade que Donna Tartt nos mostra o crescimento de Theo. O leitor acompanha cada fase da sua vida desde a infância, passando pela adolescência até à idade adulta, sendo que a autora coloca a nu, de forma única, as fragilidades e vivências próprias de cada uma destas etapas.
É inquestionável que a morte da mãe marca Theo profundamente alterando o seu percurso de vida de forma inequívoca. Theo perde a mãe e vai viver para casa dos pais de um amigo seu. O seu mundo mudou repentinamente. O seu pai tinha-os abandonado pouco antes deste acontecimento trágico pelo que Theo não sabe do seu paradeiro. A viver com esta nova "família" em regime temporário, Theo cria laços e fomenta novas relações. Até que algo novo acontece. E a vida de Theo muda de novo. Neste cenário é impensável não sentir a crítica implícita aos serviços sociais e aos seus procedimentos. A prioridade é sempre que a criança/adolescente fique com alguém da sua família biológica. Mas a verdade é que a família biológica nem sempre é garantia das melhores condições emocionais para se crescer e isso ficará bem visível com o desenrolar da narrativa. Theo é mais uma vez "desenraizado" e tem de aprender a se readaptar a uma nova realidade.
O sentimento de perda, a vivência do luto pela perda da mãe e o sentimento de culpa atingem o leitor provocando-lhe emoções que ficam consigo ao longo das páginas. Theo não é o herói comum que tão presente está em inúmeras outras narrativas, mas sim um ser humano que se reveste de nuances que lhe conferem uma complexidade e profundidade únicas e intensamente credíveis.
Donna Tartt elabora um enredo onde a capacidade de adaptação de Theo é posta à prova de forma constante e é numa das novas etapas da sua vida que surge Boris, um novo amigo, que oferece à narrativa momentos de humor, no que concerne à experiência traumática que Theo viveu em consequência da morte da sua mãe, o que leva o leitor a uma reflexão.
E a verdade é que a extensão e a densidade da trama em nada interfere no ritmo da leitura, sendo que "O Pintassilgo" se revela um livro cativante levando o leitor num folhear de páginas célere e vibrante.
Ainda que sejam feitas considerações subtis sobre o mundo da arte, a verdade é que este livro se centra na vida de Theo, mas há que reflectir que "O Pintassilgo", obra tão apreciada pela mãe de Theo, acaba por ter um significado único como se este quadro fosse o elemento que o mantém ligado a ela.
Em suma, esta narrativa encerra em si uma unicidade própria dos livros que perduram indefinidamente no espírito do leitor. E, finda a leitura, o amadurecimento da narrativa na mente e coração do leitor, permitem-lhe retirar novos significados mesmo depois do livro se ter fechado e guardado na estante. Além disso, "O Pintassilgo" possui a extraordinária capacidade de provocar, simultaneamente, emoções e reflexões pertinentes sobre a perda, o crescimento e a necessidade de nos adaptarmos face às circunstâncias da vida.
CLASSIFICAÇÃO: 6. Excelente!
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