Penso que é importante darmos destaque aos nossos autores nacionais e depois de ter recebido o contacto via email do autor Carlos Machado (Obras: "O homem que viveu duas vezes" e "Um amor sem tempo") que muito me alegrou, surgiu uma ideia nova para o Refúgio dos Livros.
Em vez de recorrermos à habitual entrevista com perguntas e respostas vou iniciar uma nova rubrica intitulada "Conheça melhor o autor...".
E pensam vocês: mas em que consiste a rubrica?
Pois eu passo a explicar: esta rubrica consiste num texto elaborado pelo próprio autor sobre o seu "mundo interior"...vocês ao lerem o texto que aqui publico estarão a ler algo que foi partilhado pelo próprio autor: um pouco de si, da sua escrita, das suas vivências...basicamente um testemunho em discurso directo!
Fiquem então a conhecer melhor o autor Carlos Machado aqui:
"Filho único, nado e criado em tempos em que a TV, com um só canal, abria a emissão às seis da tarde com parcos quinze minutos de desenhos animados e em que as idas ao cinema se restringiam às épocas festivas do ano, para o entretenimento socorri-me do que tinha à mão: amigos da minha rua e da escola para a brincadeira e…de livros para as horas por preencher sem esquecer a ânsia com que era esperado o suplemento juvenil do DN, “A Nau Catrineta”, dirigido por Adolfo Simões Müller.
Em vez de recorrermos à habitual entrevista com perguntas e respostas vou iniciar uma nova rubrica intitulada "Conheça melhor o autor...".
E pensam vocês: mas em que consiste a rubrica?
Pois eu passo a explicar: esta rubrica consiste num texto elaborado pelo próprio autor sobre o seu "mundo interior"...vocês ao lerem o texto que aqui publico estarão a ler algo que foi partilhado pelo próprio autor: um pouco de si, da sua escrita, das suas vivências...basicamente um testemunho em discurso directo!
Fiquem então a conhecer melhor o autor Carlos Machado aqui:
"Filho único, nado e criado em tempos em que a TV, com um só canal, abria a emissão às seis da tarde com parcos quinze minutos de desenhos animados e em que as idas ao cinema se restringiam às épocas festivas do ano, para o entretenimento socorri-me do que tinha à mão: amigos da minha rua e da escola para a brincadeira e…de livros para as horas por preencher sem esquecer a ânsia com que era esperado o suplemento juvenil do DN, “A Nau Catrineta”, dirigido por Adolfo Simões Müller.
Vivi sempre rodeado de livros e, sobretudo, de pessoas que me incentivavam a ler e comigo falavam sobre os livros. Em casa não havia grandes acervos literários ou imensas bibliotecas, mas havia em permanência um qualquer volume a ser lido pelo meu avô paterno, pelo meu pai, ou pela minha avó materna que tinha tanta pena do senhor da carrinha da Gulbenkian que era obrigado a fazer aquele desvio para ir de propósito à sua aldeia levar-lhe os livros.
É esta, ou outra qualquer, a história de início de um escritor: começar por gostar de ler os livros dos outros e de toda a vida gostar de ler os livros dos outros.
E pese embora o facto de sempre ter sido um leitor compulsivo, o salto para a escrita foi tardio e inesperado. Para além de uns poemas patetas, mais fruto inegável da pujança do acne juvenil (citando Umberto Eco) do que de qualquer pulsar literário, nem sequer tive a tentação de escrever para a gaveta. Explicar-me-á a minha filha psicóloga que esse passo me foi subconscientemente vedado pelas figuras austeras, exigentes e quase divinas (no que à literatura diz respeito) de dois fabulosos professores que tive no liceu – Virgílio Ferreira e Mário Dionísio – que considerei sempre vigilantes e críticos do que escrevesse arrasando-me com merecida negativa caso falhasse. Imaginei, pois, que ter uma actividade de escritor seria um caminho muito árduo (constato que o é) e que o objectivo seria inatingível a não ser para predestinados (percebi que é como o alpinismo, os cumes mais altos são só para os melhores, mas existe um infindável número de montanhas mais baixas, de grande grau de dificuldade, possíveis de serem conquistadas). Fiquei-me anos a fio a escrever relatórios técnicos, e continuo.
Mas sempre tive curiosidade de saber como é que um escritor começa (e acaba) um livro (e mais admirado fico com aqueles que são capazes de produzir uma novidade por ano): tem uma história? tem uma imaginação prodigiosa? tem vivências e experiências inumeráveis? terá de ter vivido grandes dores e sofrimentos para escrever boas obras?
Ainda hoje não sei como fazem. Sei como faço.
Sei que pouco me importa a história. Decidi que nos romances que escrevesse (algum dia poderei mudar de ideias) a história seria secundária e não precisaria sequer de estar definida à partida. Interesso-me por um tema que é o fio condutor, o esqueleto ao qual apego a história, ou estórias que são ao fim ao cabo os músculos e a pele que lhe darão forma.
Assim nasceram os meus dois romances “O homem que viveu duas vezes” e o “Um amor sem tempo”. No primeiro debrucei-me sobre identidade, das pessoas, dos lugares, das épocas, das palavras; no segundo pelo tempo e a ele associado pelo único sentimento que não se desvanece ou se altera com o tempo, mas antes se reforça, a vingança.
Não procuro moralismos, determinismos, nem posições fixas sobre os temas sobre os quais me questiono. Pretendo antes recriar ambientes, emoções, afectos, torná-los de tal modo nítidos durante a leitura que o leitor não se sinta um espectador passivo ou um receptáculo, mas um habitante daqueles mundos, que acompanhe os personagens nas suas peripécias, que seja capaz de reagir, de jeito próprio, aos estímulos que lhe são transmitidos pela acção, formulando o seu próprio juízo ou alimentando as suas dúvidas acerca daquilo que sente, vê e pensa. E o terminus de cada um dos romances, sem ser em aberto, dá algum espaço para que cada qual termine a leitura à sua maneira."
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