quinta-feira, 10 de abril de 2014

"Deixa dormir o diabo" (John Verdon): OPINIÃO!

John Verdon conquistou-me com o seu livro de estreia "Pensa num número" e depois confirmou a sua mestria como autor com "Não abras os olhos" e eis que agora surge "Deixa dormir o diabo": uma novidade Porto Editora com um título inquietante e uma capa misteriosa, aspectos que me suscitaram curiosidade, sendo que ainda fiquei mais alerta quando li a sinopse do livro. 

Iniciei o mês de Abril com a leitura de "Deixa dormir o diabo" de John Verdon suspeitando antecipadamente de que vinha aí mais um grande livro deste autor que já deu mostras suficientes da sua qualidade. As expectativas eram elevadas. O mistério que a sinopse revelava era denso. Parti para a leitura. Agarrei-me às páginas. Fui-me envolvendo, pouco a pouco, na história. Ansiei pelo desenrolar rápido da acção. Pelo desfecho final. Em menos de uma semana o livro estava lido. As expectativas foram fortemente cumpridas. John Verdon é sem dúvida um autor a manter debaixo de olho.

Dez anos se passaram desde que ocorreram seis homicídios. A ligar as seis vítimas apenas um elo comum: todas possuíam um Mercedes de cor preta. O FBI, que ficou encarregue do caso na altura, julga estar perante um assassino em série. Só que algo acontece: as mortes param. Seis pessoas morreram. O assassino não voltou a atacar desde então. Com base num manifesto enviado para o FBI, esta entidade policial acredita que os crimes foram cometidos para pôr a nu a ganância dos homens, para travar uma luta contra o mal. O leitor sente os crimes quase como se tratasse de uma forma de exterminar o Mal e fazer luz sobre os valores importantes. O assassino fica conhecido como o Bom Pastor. Não há mais pistas para seguir. O caso é arquivado.

E eis que Kim, uma jovem jornalista decide desenvolver um trabalho com os familiares das vítimas do Bom Pastor. Kim quer dar a conhecer a perspectiva daqueles que, pela perda, foram afectados e cujas famílias foram destroçadas por causa destas mortes. Só que Kim é uma jovem em início de carreira e decide então procurar a ajuda do famoso ex-detective de Homicídios da Polícia de Nova Iorque, já reformado, David Gurney. Kim acredita que Gurney é a pessoa indicada para lhe prestar ajuda a nível de consultadoria, dando-lhe uma visão mais experiente sobre o mundo dos homicídios e orientando-a neste seu projecto.

Inicialmente, John Verdon coloca-nos perante Gurney que, em consequência do último caso em que se envolveu ("Não Abras os Olhos"), vive agora uma rotina diária diferente. Encontramos um David Gurney apático, melancólico, a roçar a depressão, que não encontra felicidade na sua vida de reformado. Esta apatia leva-o a isolar-se na sua própria casa. Só que Kim, através da sua sugestão de parceria, acaba por despertar o detective adormecido em Gurney. Numa fase inicial, Gurney não vê com bons olhos esta proposta de colaboração, mas quando situações estranhas começam a acontecer na casa de Kim, Gurney começa a desconfiar que alguém não quer que o caso do Bom Pastor seja trazido ao presente.

A verdade é que, primeiramente, o leitor pode pensar que estes acontecimentos estranhos são obra de um ex-namorado perturbado de Kim que não aceitou bem o fim da relação, mas gradualmente vai-se sentindo no ar um peso de tensão, um adensar do mistério e a intuição de Gurney, que invariavelmente se prova ser certeira, diz-lhe que o caso do Bom Pastor não foi bem investigado e que estes acontecimentos estão relacionados com esse facto. Alguém quer aterrorizar Kim e levá-la a desistir deste projecto.

Um sussurro "Deixa dormir o diabo" arrepia a pele do leitor, fá-lo olhar por cima do ombro e rodear-se de luz, à medida que vai avançando na leitura e percebendo que o Bom Pastor pode estar de volta. 

Quem será o Bom Pastor? Por que razão matou seis pessoas? Terá mesmo sido para acabar com o Mal? Será que o Mercedes preto era o único elo comum entre as vítimas? 

Muitas são as dúvidas que assolam o espírito de Gurney e, à medida que vai tendo acesso a informações confidenciais deste caso, mais se convence que há algo para desvendar. O autor John Verdon é mestre em fazer o leitor entrar na mente de Gurney: é possível acompanhar o seu raciocínio enquanto vai analisando pistas, descobrindo quem eram as vítimas. A capacidade de análise de Gurney é surpreendente e traz à luz muitas pontas soltas deixadas pelo FBI.

A escrita de John Verdon é apaixonante e a forma como desenvolve a narrativa leva o leitor numa aventura pela páginas de "Deixa dormir o diabo" onde o suspense e o clima de tensão são intensamente palpáveis. Na mente do leitor permanece sempre a questão: "quem é afinal o Bom Pastor?", sendo que a resposta só é obtida mesmo na recta final, quando as peças todas se encaixam, o puzzle fica completo e o leitor é presentado com uma revelação surpreendente. 

A par de todo o enredo que se desenrola à volta desta investigação desencadeada pelo projecto de Kim, encontramos uma narrativa onde é dado um ênfase marcante à vertente pessoal e relacional de Gurney: reencontramos a sua esposa Madeleine e John Verdon dá-nos a conhecer, de forma profunda, o ponto onde se encontra este casal. A vertente emocional e familiar dos livros de John Verdon acabam por equilibrar a vertente de investigação e análise dos casos expostos criando uma narrativa deveras humana.

John Verdon explora as profundezas do ser humano nas suas variadas nuances, envolvendo-nos com crimes e com mentes complexas, revestindo a narrativa e o enredo de uma dimensão psicológica que cativa, aprisiona e apaixona.

As personagens, pelas suas dimensões pessoais, sociais e psicológicas, conferem uma riqueza extrema a toda a narrativa; cada uma desempenhando um papel fulcral para o desenrolar da acção e para o quadro final.

Concluindo, "Deixa dormir o diabo" de John Verdon reúne, de forma magistral, todos os ingredientes essenciais para um excelente policial: crimes, investigação, suspense, personagens complexas e muito mistério. A par disso, o autor constrói uma narrativa marcante onde a identidade do Bom Pastor é mantida em secretismo e muito bem escondida até às páginas finais. O desfecho é surpreendente. Não há como negar a excelência deste autor que nos brinda com mistério e humanidade.

CLASSIFICAÇÃO: 6. Excelente!


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