quinta-feira, 18 de setembro de 2014

"O Jardim das Memórias" (Amy Hatvany): OPINIÃO!

A afectividade e a carga dramática que se intui através da leitura da sinopse d' "O Jardim das Memórias" de Amy Hatvany foi o elemento essencial que despertou a minha vontade de ler este livro. Sugerido pela Estefânia do blogue "Uma biblioteca aberta", lancei-me nesta leitura com elevadas expectativas e na ânsia de descobrir uma relação pai-filha que, página a página vai revelando uma complexidade marcada pela profundidade e por laços cheios de sentimento.

A pequena Eden sempre admirou o seu pai David. A relação entre ambos sempre foi marcada por um amor profundo. Embora a dinâmica familiar fosse marcada pelas constantes flutuações de humor de David, uns dias com ausências repentinas e outros com alegria, esta incerteza de qual David estaria presente naquele dia confere uma permanente inquietude no seio familiar. Não obstante, o sentimento de Eden por David não se altera e a pequena Eden acredita que o pai vai ficar bom e que a sua família será feliz até ao dia em que encontra o seu pai caído no chão da casa de banho cheio de sangue. Após esta tentativa de suicídio, a família de Eden quebra-se: a sua mãe pede o divórcio e David desaparece. 

Vinte anos se passaram, mas Eden nunca conseguiu ultrapassar o desaparecimento do seu pai e em si ficou um vazio que insiste em magoar. Depois de várias relações amorosas falhadas, Eden comece a questionar-se se este facto não estará relacionado com o desaparecimento do pai. Afinal, se o seu próprio pai foi capaz de abandoná-la, como é possível que se deixe amar sem receio de ser abandonada de novo? É neste momento que Eden decide procurar o seu pai e tentar resolver este vazio que a impede de avançar verdadeiramente com a sua vida.

É nesta busca por David que Eden vai encontrar o albergue para sem-abrigos dirigido por Jack Baker. Jack aceita ajudar Eden na sua busca se ela fizer voluntariado no albergue e assim começa uma relação que irá florescer repleta de afectos, emoções e sentimentos.

Numa narrativa que intercala capítulos referentes ao passado e ao presente nas vozes de Eden e de David, Amy Hatvany consegue dar-nos a visão de cada uma destas personagens centrais d' "O Jardim das Memórias". Se, por um lado, conseguimos ir ao passado e ver a realidade pelos olhos de uma menina, por outro, regressamos ao presente e vemos a perspectiva de uma mulher adulta. Ao mesmo tempo, encontramos um David no passado que se debate com os seus demónios interiores e cujo amor imenso pela filha não o impede, mesmo assim, de tentar acabar com a sua própria vida e chegamos ao presente e encontramos um David que ainda se debate com os seus humores inconstantes, que tem momentos de tentar melhorar e combater a doença, mas cuja liberdade fala mais alto e o leva a viver na rua, rejeitando a medicação que lhe rouba a criatividade tão essencial na vida de um artista.

É de forma sublime que a autora Amy Hatvany nos coloca perante uma narrativa onde a relação filha - pai é colocada às claras, de forma intensa e marcante, ao mesmo tempo que nos é dada uma visão sobre a doença mental, não só pelos olhos de quem observa de fora, mas também através da voz daquele que padece de um transtorno. É visível que as oscilações de humor de David apontam para um transtorno bipolar que o leva a atingir picos de depressão alternados com momentos marcados por uma alegria eufórica e quase maníaca. Mas a David nunca foi feito um diagnóstico conclusivo e a sua batalha com a medicação e o torpor que a mesma provoca em si são trazidos até ao leitor e vemos um David que anseia pela liberdade, que não se adapta às regras sociais. 

Assim, através de uma escrita que consegue ser simultaneamente fluída e intensamente emocional, Amy Hatvany coloca-nos perante a problemática da doença mental e o seu impacto nas variadas vertentes da vida humana (familiar, profissional e social), oferecendo-nos personagens cujo realismo as aproxima do leitor. Afinal, David poderia um familiar ou um conhecido nosso. Podia ser perfeitamente a nossa história ou de alguém próximo e isso faz com que se criem laços entre leitor e personagens no decorrer da leitura.

À parte de uma narrativa marcada por temáticas fortes como a doença mental, os sem-abrigo, o divórcio, a tentativa de suicídio e até o alcoolismo, encontramos páginas cheias de laços afectivos, ao mesmo tempo que acompanhamos uma história de amor que nasce e se fortalece, à medida que Eden responde a questões que sempre a acompanharam, se vai descobrindo como pessoa e vai resolvendo o vazio deixado pelo desaparecimento súbito de David.

"O Jardim das Memórias" de Amy Hatvany é sem dúvida nenhuma uma leitura marcante, cuja narrativa é plena de laços, onde as personagens vibram com credibilidade e cujo enredo repleto de temáticas duras perfeitamente exploradas lançam o leitor numa leitura que se faz de forma suave e, simultaneamente, comovente. Amy Hatvany é inegavelmente uma autora a seguir futuramente.

CLASSIFICAÇÃO: 5. Muito Bom!


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