Ler Kate Morton revela-se sempre um verdadeiro prazer. Há qualquer coisa de especial na sua escrita e algo único nas suas narrativas que agarram o leitor e o transportam para o interior das páginas como se estivesse presente nos próprios cenários onde a acção se vai desenrolando.
Já tinha lido "O Segredo da Casa de Riverton", "As Horas Distantes" e "Amores Secretos" e "O Jardim dos Segredos" foi ficando na estante. Este mês de Setembro, a Estefânia do blogue "Uma Biblioteca Aberta" (veja a crítica aqui) sugeriu-me esta leitura e finalmente "O Jardim dos Segredos" veio parar às minhas mãos e finda a leitura só me assalta uma questão: porque demorei tanto tempo a pegar neste livro maravilhoso?
Kate Morton, como já vendo sendo hábito, apresenta-nos uma narrativa assente em três momentos temporais distintos: 1900-1913, o ano de 1975 e 2005. Apesar de haver saltos temporais, a verdade é que a autora domina completamente esta arte de nos contar uma história que se faz de momentos distintos, de forma serena e descomplicada. Em 1913, uma menina é encontrada sozinha num porto australiano. Não se sabe quem é esta menina nem de onde veio. Com ela apenas traz uma pequena mala com alguns pertences, entre eles um livro de contos de fadas escrito por Eliza Makepeace. Um casal decide adoptar esta menina a quem chamam Nell. Na altura do seu vigésimo primeiro aniversário, o pai de Nell decide contar-lhe a verdade e décadas depois, Nell embarca numa viagem até à costa da Cornualha para descobrir as suas raízes. No entanto, Nell não encontra todas as respostas às suas perguntas e, em 2005, depois de Nell falecer, Cassandra, a sua neta decide concluir a busca iniciada pela sua avó. Nell deixa em herança uma casa na Cornualha (a Casa da Falésia) a Cassandra o que a levará a viajar até lá e tentar descobrir a verdade.
Entre retrocessos ao passado e avanços para o presente, a autora vai-nos dando a conhecer as várias personagens e a misteriosa família aristocrática Mountrachet, proprietária da mansão Blackhurst. Ao que parece as origens de Nell estão nesta família. E quem é afinal Eliza Makepeace? E qual é a relação de Eliza com a família Mountrachet? E quem foi que levou Nell tão pequena do seu lar para a Austrália? E porque a deixou sozinha? São estas e muitas mais questões que se vão levantando à medida que o leitor foi ficando aprisionado neste enredo feito de relações familiares e segredos.
Através de descrições que primam pelo realismo, pela qualidade visual intensa, pelos aromas e sons que fazem o leitor sentir-se dentro da própria história, Kate Morton oferece-nos uma narrativa que envolve o leitor como um abraço, ao mesmo tempo que a curiosidade se vai intensificando.
Os vários momentos temporais, cada um com o seu núcleo de personagens próprios, escondem uma imensidão de segredos. Conhecemos a aristocrática família Mountrachet: a sua rigidez, a necessidade de manter aparências, os seus laços e relações. Conhecemos a mansão Blackhurst, o labirinto e a casa da falésia. Cada recanto tem um significado, tornando-se ponto fulcral da narrativa. Em 1975, conhecemos uma Nell que anseia saber a sua verdadeira origem encetando uma viagem à Cornualha que a faz sentir-se finalmente em casa e que a aproxima pouco a pouco do seu verdadeiro eu. E, em 2005, através de Cassandra, ficamos a saber na plenitude, a verdade sobre a origem de Nell e todos os mistérios inerentes a esta menina que apareceu na Austrália sozinha. Ao mesmo tempo, deparamo-nos com o próprio passado de Cassandra e a autora oferece também a esta personagem, uma história própria com os seus segredos e sofrimentos e um novo renascer.
Aliado a toda uma aura de magia, Kate Morton leva-nos ainda até aos meandros dos contos de fadas através da escritora Eliza Makepeace cuja relação com a família Mountrachet vamos desvendando gradualmente e cujo papel primordial em toda a acção é manifestamente intenso.
Todas as personagens têm uma construção genialmente engendrada com nuances de comportamento únicas, com afectos especiais e com mistérios próprios que, a par com as descrições de cenários simplesmente belos, fazem com que o leitor se deixe prender por uma envolvência simplesmente magnética que o lança numa leitura fluída e célere. Todo o enredo vibra de segredos o que cativa com uma força à qual é impossível fugir, fazendo o voltar de páginas ser quase compulsivo.
Colocar em palavras a magia desta história e o brilhantismo da escrita de Kate Morton, bem como a sua capacidade inata de combinar períodos temporais de forma lúcida e simples, é uma tarefa quase impossível, pois a plenitude do alcance d' "O Jardim dos Segredos" e da sua narrativa só é possível através da leitura deste livro. De todos os livros de Kate Morton publicados por cá até ao momento, "O Jardim dos Segredos" passou a ser, sem sombra de dúvidas, o meu preferido.
CLASSIFICAÇÃO: 7. Absolutamente Fantástico!
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